sábado, 24 de dezembro de 2016

UM CONTO (REAL) DE NATAL

Nos tempos que correm, da electrónica e outras maravilhas que servem para o Natal dos filhos e dos pais, vamos recordar pequenas coisas dos anos 40 do século passado. 

Prendas eram coisa de luxo. Uma caixinha com soldadinhos de chumbo não era para qualquer criança...havia guerra na vida e guerras para as crianças brincarem, estas quase sempre acabando com soldados e espingardas em muito mau estado. 

Depois os de madeira, camionetas de carga, cavalos, rodas com pássaros que batiam as asas enquanto uma campainha ia alarmando a rua e os outros putos. 

Seguiram-se os brinquedos em folha de Flandres, camionetas, automóveis, motas. Todos em comum tinham o facto de nos encaixes nos cortarmos..,não havia ASAE... 

Também apareceram brinquedos em cartão prensado, muitas vezes pintados com tinta de esmalte verde (também tivemos um automóvel verde...) não se sabe porquê... 

É aqui que entra a nossa história...

Os nossos pais eram pobres...e estou certo que, com muito sacrifício, arranjaram uns tostões para a oferta de um cavalo de balanço, lindo - estamos ainda a vê-lo - de cor verde forte e, completando, uma cauda de estopa quase amarela.

Era estranho...um cavalo verde...quem teria a ideia de inventar para crianças um cavalo verde? Talvez fosse a única tinta de esmalte disponível. 

A falta de arte na pintura será desculpada pela recordação pretendida 

A verdade é que, mesmo verde, apetecia montá-lo e galopar pela cozinha...

Crianças em tempo de guerra, que só tinham bolas de trapo (feitas com as meias das mães) ou buracos na terra para jogar o berlinde (tirado dos pirolitos), uma prenda destas teria de causar uma instabilidade que hoje não se consegue expressar.

O cavalo deixou-nos louco. Balançávamos dia e quase noite, pelo menos até à hora de acender o candeeiro a petróleo com que a nossa casa era iluminada à noite.

Dias depois, como o cavalo não evacuava...e coitadinho devia estar aflito, resolvemos dar-lhe um clister, que naquela época implicava com um recipiente de vidro e um longo tubo de borracha com a torneira reguladora na ponta, em baquelite castanha. 

Antigo acessório para clister 

Numa distracção momentânea da mãe, arrancámos a cauda ao cavalo e zás, iniciámos a grande obra  para tratamento e salvação do animal...

Ora, o clister, amoleceu o cartão e toda a água deitada pelo ânus do cavalo se espalhou pelo chão da cozinha...daí resultando uns açoites de que ainda hoje nos lembramos.

O cavalo não se salvou nem voltou a ser montado e nós também não nos salvámos de apanhar com uma escova umas tantas saudações pelo gesto benemérito.

Diga-se, a este propósito, que não houve notícia ou processo por violência...nem tivemos acompanhamento psicológico...deitámo-nos e dormimos. No dia seguinte...o cavalo troteou para o carro do lixo.

Ficou a recordação...e a experiência tão proveitosa.

Nunca mais demos clister a cavalos de cartão...

Que saudades...



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