Há
uns bons anos decidi refazer a minha
aldeia.
Aos
poucos, voltou a vida, recordei pessoas, a maior parte delas apenas
ressuscitando-as, porque estarão sempre na minha lembrança.
Faltam
duas casas da minha
aldeia, oferecidas em tempos a amigas que sempre estimei. Estão, certamente,
bem guardadas. A aldeia era quase assim:
Como era a minha aldeia
Ao
princípio, havia a igreja e sete casas à volta, mais o pequeno moinho.
Depois
surgiram outras casas, maiores, mais famílias, mas o espírito da aldeia
manteve-se. Cresceu e apareceram crianças, novas vidas. Hoje poucas restam.
Na
igreja, ao centro da aldeia, o padre Albertino aconselhava jovens, escutava
idosos, organizava festas, até jogava à bola connosco. Foi o meu padrinho na
Comunhão Solene. De mim e mais oito que não conseguiram outro padrinho...disponível.
O
dia da Comunhão marcou-me porque, pela primeira vez, tive calças compridas,
feitas só para mim, "à
golf". Que coisa fina, devidamente composto com camisa, gravata
e casaco. Foi o início de outra era...
Na
escola, ao lado da igreja, as arcadas abrigavam-nos da chuva forte que batia
nas pernas, tapadas só até o joelho por calções herdados das calças velhas do pai.
Era
o "bom dia ou até amanhã senhora professora", a Cartilha Maternal,
trabalhos para casa. O ponteiro e a menina dos cinco olhos eram complementos educacionais...
Nas
carteiras de madeira espetávamos falhas nas mãos. Havia tinteiros. Ardósia e
pena de leite. Canetas com aparo. O nosso bafo aquecia as mãos. Aprendíamos...
A
casa mais à direita era a da Avó Céu, que nos acompanhou para Sintra e cá
faleceu aos 96 anos. À sua frente, junta da ribeira, a casa do Ti Zé da Pipa,
artesão de barro.
O
Ti Zé da Pipa, com boas vinhas viradas a Sul, todos os anos oferecia uma pipa
aos amigos. Foi contador de histórias até que, enviuvando, se deixou vencer
pela tristeza.
Ao
alto, à esquerda, a casa senhorial do feitor Piçarra. Mais as casas do Florival
que era guarda-florestal, da Gertrudes Passarinho, da Maria da Cruz e do Fitas.
O
forno comunitário era o centro de convívio enquanto o pão das famílias cozia.
Falava-se alto dos problemas locais e à boca pequena dos bandidos que estavam
em Lisboa.
O
Chico Moleiro, no engenho pequeno, usava o trigo rijo que se cultivava à volta
da aldeia. Depois, para fornecer farinha a outras aldeias, construiu o moinho
grande para moagem do trigo mole. Hoje, a ASAE não autorizaria a venda dessa
farinha...
A
nossa era a casa mais pequena da aldeia, ao lado do moinho pequeno do Chico
Moleiro. Para nós, era a melhor, porque era a nossa. Lá criávamos perus,
galinhas, coelhos, ovelhas e uma ou outra cabra. Chegámos a ter uma vaca.
Cozinhava-se
com madeira ou carvão. No tempo da guerra faziam-se briquetes, uma mistura de carvão
moído e barro. O fogareiro a petróleo viria a ser uma revolução.
Agarrado
ao PC que todos os dias - teimosamente - só abre se me reconhecer o rosto,
esquecia de dizer que na nossa casa não havia luz eléctrica. Com o candeeiro a
petróleo se estudava, se comia, se acordava. Era só subir ou baixar a
torcida...
Que
saudades da minha aldeia, feita de sonhos, lembranças e realidades.
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