Quando jovem, com o primeiro emprego aos 14 anos, habituei-me a ter sempre comigo um livro, que guardava no bolso traseiro das calças.
Eram pequenos, livros mesmo de bolso, baratos, que puxava para a vida logo que, incumbido de um recado, me apanhava na rua.
Subindo a Rua da Prata ou descendo a do Ouro, quase não via pessoas pela forma como ia absorto nas leituras. Cheguei a pedir desculpas a candeeiros, julgando-os pessoas a quem tivesse dado um encontrão.
Depois de lidos e se eram meus, quantas vezes – discretamente – os deixei “esquecidos” num banco de jardim ou no carro eléctrico, libertando-os para que outras pessoas os acarinhassem com novas leituras.
Lviv - Centro Histórico - Muito cedo se começam a ler os livros expostos
Livros, direito à partilha, à troca, à leitura
Há dias, na bela cidade de Lviv, tão sofrida na I Grande Guerra e outras que se seguiram, fiquei maravilhado pelo número de pessoas que colocavam os seus livros em exposição, libertando-os para a luz do dia.
E que mais belo espaço que uma praça no Centro Histórico que é Património Cultural da Humanidade desde 1998. Perto do majestoso edifício da Municipalidade.
Livros livres, olhando para quem deles se aproximava, ou os pegava com o carinho devido à idade, lhes soletrava frases, os discutia e, de súbito, os levava para junto do coração, reservando-lhe a honra de os recolher (lendo) num sofá em suas casas.
Naquela língua eslava que há muitos anos não escutava, pareceu-me que um desses livros me disse: - “Em Sintra não podem haver livros escondidos, como se estando presos, porque só abertos e lidos espalham cultura”. Escutei e lembrei-me…
Lviv - Centro Histórico - Os visitantes vão aumentando
O choro dos livros encarcerados
Há uns anos – recordo – quando
em Sintra se lutava pela recuperação da antiga garagem da Estefânia, antes que desabasse
sobre a via-férrea, tive o “desplante” de sugerir que o espaço fosse
aproveitado para eventos ou lojas, com uma boa livraria.
Logo houve quem se mostrasse
contra a ideia, não sei se por medo de concorrência, porque em Sintra “não
valia a pena”. Parece que já havia uma…meio aberta ou mais fechada, conforme o
gosto. Em Sintra - para alguns - "nada vale a pena". Só se...
Não admira, pois, que passando
devagarinho, em dias de silêncio se escute muitas vezes um choro baixo, lamurio
de sofrimentos pelas letras acorrentadas, pela dor que os livros sentem por não
ver gente.
Compreende-se, assim, como os
povos evoluem, bastando que pensemos na tragédia social e cultural que são os
livros fechados.
Soltem os livros. Em cada
título vive uma pessoa.
EM NOME DA CULTURA, SOLTEM OS LIVROS!
LIVROS NÃO PODEM ESTAR ACORRENTADOS.
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