Para quem é utente dos comboios e passa pela estação do Rossio, direi que a seguir àqueles dois lanços de escada da Calçada do Carmo havia uma porta velha e suja, penso que entrada para uma residencial. Foi nessa escada que encontrei o Pai Natal.
O choque foi imenso apesar dos meus talvez cinquenta anos. Talvez porque nos anos da guerra o Pai Natal era o único sonho de uma criança, talvez por momentos antes ter visto o mesmo Pai Natal a passear entre a Rua Primeiro de Dezembro e a Praça D. Pedro IV rodeado de criança, envolvendo-as numa onda de alegria. Daí ter escrito...
COMO MUDASTE, PAI NATAL...
Pobre Pai Natal
Pobre Pai Natal
Que estavas naquela escada escura,
suja e de passagem rápida.
Escada de pensão de zero estrelas,
Escada de pensão de zero estrelas,
com corpos sujos rápidos
na passagem.
Era a hora do almoço
Era a hora do almoço
para quantos ainda conseguem
comer, no meio da fome. E vi-te!
Não digas que é mentira!
Não digas que é mentira!
Tinhas tirado as barbas
que nunca foram brancas,
nem no fabrico.
Teu corpo magro, sentado
Num primeiro degrau
E rosto sem sorriso.
Num pequeno tacho de alumínio
Num pequeno tacho de alumínio
Trazias o magro almoço,
já tão frio.
ARREPIANTE!
Não digas que é mentira!
Comias em sorvos largos
para rapidamente voltares
à rua das tuas crianças.
Ali, encostado ao lancil,
nada tinhas dos sonhos
que criaste em nossa infância.
Como eu sonhei com Pai Natal
Como eu sonhei com Pai Natal
gordo. Cheio de fartura,
rodeado de amor e de riqueza.
Foste o final da minha ilusão,
Foste o final da minha ilusão,
Pano de um palco, rasgado
A quem foi tão inocente.
Deixei de te ver como nos sonhos,
Passei a ver-te, triste, como gente.
In "Em pedaços vos digo"
1 comentário:
SUBLIME! Feliz Natal!
Enviar um comentário