Naquele rés-do-chão da Rua do Ouro, nº. 171, bem ao fundo de um estreito corredor feito com uma divisória de madeira encimada por vidro fosco, estava a D. Isaura, telefonista da "minha empresa", apenas minha porque lá trabalhava.
Era obrigatório agradar-se à D. Isaura, dona do PBX instalado junto à Administração, pois uma conversa telefónica mais íntima poderia comprometer o nosso futuro. Um dos truques era fazer festas ao tico-tico, seu gato de estimação, que andava por ali.
Hoje, a D. Isaura seria "técnica especialista" ou "gestora de circuitos" com troca de cavilhas e serviços afins...tal a eficiência com que cumpria as missões confiadas...
Hoje, a D. Isaura seria "técnica especialista" ou "gestora de circuitos" com troca de cavilhas e serviços afins...tal a eficiência com que cumpria as missões confiadas...
Um dos painéis habituais dos PBX
Os poucos telefones, para as chefias e uso comum, não tinham teclas, pelo que o levantar do auscultador (ou rodar uma pequena manivela) era como que uma piscadela no PBX, caindo como que uma pálpebra que identificava a extensão.
Pelo PBX, com recurso à telefonista, passavam as ligações internas e externas.
As ligações externas (e casas que tinham telefone) eram através dos serviços da APT (Anglo Portuguese Telephone): "Troncas...para onde deseja ligar"? Pedia-se, por exemplo, "o 115 de Albergaria" ou "António Caramelo, em Cinfães". "Aguarde"...
Na maior parte das vezes, desligava e só depois era feita a ligação pretendida.
Muitas vezes, mais nas residências, as Senhoras da APT já conheciam os Assinantes, o que levava ao relacionamento quase institucional entre as partes.
Elas diziam e contavam quantas moedas caíam nas cabines, mas davam umas borlas se as chamadas se perdiam e o dinheiro tinha sido introduzido.
Elas diziam e contavam quantas moedas caíam nas cabines, mas davam umas borlas se as chamadas se perdiam e o dinheiro tinha sido introduzido.
Muitas dessas milhares de profissionais ainda serão vivas, pelo que daqui envio uma singela homenagem de apreço pela forma atenta como nos ouviam e nos falavam. Estavam atentas e partilhavam a vida com os Assinantes.
A menina de vinil dos nossos dias
Pessoa amiga, de há dezenas de anos, viu-se de súbito com uma grave doença, de doloroso tratamento, pelo que procurei falar-lhe para lhe dar alento, saber pormenores, no fundo afastá-la durante um ou dois minutos das dores.
Acabando de ligar, logo uma voz feminina (porque não usam a masculina?) disse: "Não é possível estabelecer a ligação. Tente mais tarde" e desligou. Voltei a ligar e a mesma voz, repetindo a mensagem, sem apelo nem agravo. Desumanamente.
Fiquei a meditar no sucedido. Não podia falar com o vinil. Havia uma voz, nem fria nem quente, sem sexo, sem alma, sem sentido de vida. Não estava nas "Troncas", talvez num paraíso fiscal ou satélite a rodar em SP, sem bites nem bytes. Horrível.
Aquele malvado vinil, culpado do envio para casa de milhares de mulheres válidas que trabalhavam nas Centrais - e quantas conheci na da Trindade - permitiu aumentar o lucro das empresas, sacrificando a vida e a felicidade de seres humanos.
Abaixo a "menina de vinil", que nem os bons dias me dá...e depois admiramo-nos da vida numa sociedade triturante, com fins e sem princípios.
Boa tarde para as pessoas de bem.
Pessoa amiga, de há dezenas de anos, viu-se de súbito com uma grave doença, de doloroso tratamento, pelo que procurei falar-lhe para lhe dar alento, saber pormenores, no fundo afastá-la durante um ou dois minutos das dores.
Acabando de ligar, logo uma voz feminina (porque não usam a masculina?) disse: "Não é possível estabelecer a ligação. Tente mais tarde" e desligou. Voltei a ligar e a mesma voz, repetindo a mensagem, sem apelo nem agravo. Desumanamente.
Fiquei a meditar no sucedido. Não podia falar com o vinil. Havia uma voz, nem fria nem quente, sem sexo, sem alma, sem sentido de vida. Não estava nas "Troncas", talvez num paraíso fiscal ou satélite a rodar em SP, sem bites nem bytes. Horrível.
Aquele malvado vinil, culpado do envio para casa de milhares de mulheres válidas que trabalhavam nas Centrais - e quantas conheci na da Trindade - permitiu aumentar o lucro das empresas, sacrificando a vida e a felicidade de seres humanos.
Abaixo a "menina de vinil", que nem os bons dias me dá...e depois admiramo-nos da vida numa sociedade triturante, com fins e sem princípios.
Boa tarde para as pessoas de bem.
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