A manhã de 18 de Fevereiro de 2008 enlutou Sintra e a comunidade africana.
Duas senhoras africanas, muito cedo a caminho do trabalho, talvez tendo-se despedido dos seus com um “até logo”, encontraram a morte quando o seu carro foi atirado para o Jamor por falta de protecção na estrada. Uma nunca chegou a aparecer.
A grande pressão das águas vindas da esquerda derrubou o muro e atirou o carro para a ribeira
A notícia chocou quantos – verdadeiramente – são solidários. Segundo o Expresso (13.4.2008) apenas a Presidente da Junta de Freguesia de Monte Abraão, Fátima Campos, deu apoio aos familiares das vítimas, e mais ninguém.
Recuperemos a história, para que não seja esquecida como alguns desejarão.
Em 26.2.2008, o Jornal da Noite da SIC noticiava que a Câmara de Sintra e as Estradas de Portugal iriam ser processadas. Na peça, o advogado dos familiares, António Pragal Colaço, dizia: “Vamos actuar na vertente da responsabilidade criminal, portanto entendemos que aqui existe responsabilidade criminal não só das instituições que estarão envolvidas, como também dos titulares dessas instituições, nomeadamente o Presidente da Câmara (...)" e a "Estradas de Portugal (...)".
Começou a espera. O ruído abafou-se até ao silêncio.
Mais de quatro meses decorridos, em Sessão de Câmara (25.6.2008) o Vereador Marco Almeida subscreveu uma Proposta para atribuição de uma verba de 200 € à Cooperativa de Ensino Os Leõzinhos, destinada a apoiar os “familiares da vítima desaparecida na Ribeira do Jamor em Belas (…)”. Gesto bonito, elevado, não no montante, mas na generosidade camarária.
O silêncio voltou a instalar-se e, apesar do opíparo apoio de 200 euros, os familiares de ambas as vítimas foram sentindo cada vez mais dificuldades, já que as falecidas contribuíam significativamente para os orçamentos das suas casas.
A espera tornou-se ansiedade. A máquina do silêncio, essa, funcionava.
Mais de dois anos depois, um trabalho da LUSA publicado no PÚBLICO (2.3.2010), noticiava que o processo “nem sequer tinha dado entrada em tribunal”. Soube-se então que:
- O “advogado António Pragal Colaço”, que “surgiu como mandatário judicial das famílias, e anunciou durante meses que iria mover um processo contra a Câmara de Sintra e a Estradas de Portugal (…)”, já não era advogado do processo e justificava a saída com um “conflito de interesses” e por “uma questão de ética”. A notícia referia "a sua ligação ao Benfica (...)" e a Fernando Seara (...)";
- Passado tanto tempo, o advogado ainda “se encontrava a aguardar documentos solicitados à Câmara Municipal de Sintra e à Estradas de Portugal”.
Não é crível que benfiquismo e estima mútua se tenham sobreposto a duas mortes. Mas deve dizer-se que, até agora, o silêncio voltou a instalar-se nas redacções.
Como o silêncio é de oiro, não admira que em Maio de 2011, para captação de votos, tenham surgido as figuras políticas do “mais africano” dos candidatos e do “africanista de Massamá”, mas sem uma palavra para recordarem as senhoras africanas mortas ali ao lado em Belas, ou prometerem todo o empenho no apuramento das responsabilidades pelo sucedido.
O silêncio não apagará factos, actos e muito menos responsabilidades.
Duas fotos do localda tragédia, tiradas ontem (17.2.2012), decorridos quatro anos. Sem comentários.
2 comentários:
Só o meu amigo a recordar esta tragédia...o resto,já tudo foi esquecido;eram só duas pobres mulheres trabalhadoras africanas,provavelmente nem votavam!Oh meu amigo,é espantoso e ao mesmo tempo aterrador que a sociedade em que vivemos esteja nesta apatia,o valor da vida humana está de facto,com uma cotação muito baixa e a ele se sobrepõem os mais obscuros interesses...que triste país este!E será que ninguém as vai lembrar e saber como «sobreviveram»os seus familiares?
Estimada Amiga,
Só a minha Amiga a pegar nesta minha crónica. Tanta gente que anda por aí, pelo Facebook, a lê-la, mas o único comentário surgiu agora: o seu.
Muito obrigado.
É preciso ocultar, sem vergonha silenciar, despudoradamente tentar que a esponja passe sobre os actos, sobre os sentimentos.
É preciso alcançar destaques, mesmo que a arte seja pouca para governar ou gerir. O que serve é dar-se nas vistas, mover o mundo subterrâneo até às catacumbas para que as almas estejam com os políticos oportunistas, como bandos de vampiros, incapazes de trabalhar mas vocacionados para fazer o bem...quando é preciso arrepanhar mais uns votos.
Esta minha crónica foi um teste:- O bando anda por aí, os necrófagos vão-se alimentando enquanto podem.
Um abraço,
Fernando Castelo
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