Onde foi parar o nosso dinheiro?
A violência de descontos sobre os rendimentos dos trabalhadores e reformados, segundo o Governo para pagar as dívidas e equilibrar a economia, atinge níveis de tal forma graves que merece o mais enérgico protesto.
O Senhor Presidente da República, que diz ter alertado para a situação há dois anos, mas deixou tudo em banho-maria, agora declara: “Se nós cumprirmos rigorosamente os compromissos que assumimos perante as entidades internacionais, há uma grande possibilidade de melhores dias chegarem no futuro” (destacado meu). Isto é, com sacrifícios reais, ainda estamos no campo das possibilidades virtuais.
A grave situação que se vive – sem fim à vista – tem rostos responsáveis, de gastadores que se tornaram esbanjadores do dinheiro público, muitas vezes com objectivos pessoais e satisfação de compadrios.
Umas vezes, invocam a legitimidade democrática dos votos, para se julgarem com poderes absolutos. Outras, usam a teoria de que os políticos são julgados nas urnas. Nada mais errado neste esforço para inverter as responsabilidades.
Estamos perante falácias de políticos que agora querem fugir à mais que provável exigência pública para que respondam pelo que fizeram.
Os eleitos – Assembleias, Governo e Autarquias – foram-no para respeitar o interesse colectivo e gerir bem os bens públicos, promovendo o desenvolvimento sustentado da sociedade como garantia do bem-estar.
Não os elegemos para gastarem os dinheiros públicos descontroladamente, tantas vezes com objectivos eleiçoeiros, a que não faltou a profusa difusão na opinião pública.
Usou-se (e usa-se) a política dos subsídios-voto, do falso nacional-porreirismo para efeitos mediáticos, do pontapé na bola, tudo sem reflexos na vida diária, mas a alimentar a chama aquecedora da panela das eleições seguintes.
Desenvolveu-se só de fachada, não se criaram estruturas para mais postos de trabalho ou novas alternativas de comércio ou indústria, não se apoiou a exploração dos solos, nem a produção e escoamento de produtos. Não se resolveram questões básicas para se evoluir.
Emperraram-se projectos e adiaram-se decisões que influenciariam um melhor futuro.
Com arte e habilidades de toda espécie, com mentiras, difundiram-se exagerados apoios caridosos, que não passaram de ignomínias a toda a prova.
Os povos não querem caridade. Querem trabalho para os desempregados, para os membros da família, querem ter os seus rendimentos e garantir o futuro dos seus filhos, sem misericordiosos actores.
Não há disfarces de caridade que justifiquem os gastos desequilibrados.
Os compromissos implicam avaliação, os empréstimos rigorosa ponderação, as despesas ajustadas às efectivas necessidades da gestão.
Às megalomanias que ultrapassam os autores, devem responder os órgãos fiscalizadores, evitando o descalabro. Caso contrário, correm o risco de ter sido eleitos para meros serviçais de serviço.
Com dinheiros públicos, meus e de outros concidadãos, quantas vezes se comprou o silêncio e o risco das contestações? A cumplicidade contribuiu para o descalabro.
Perante a situação a que nos conduziram, devemos exigir que os responsáveis sejam apurados e julgados pelos danos causados à sociedade e cujo resultado está agora a entrar nos bolsos de todos nós.
Agora, vítimas dos políticos que esbanjaram o nosso dinheiro, pagamos uma segunda vez os devaneios dos maus gestores públicos.
JULGAMENTO DOS CULPADOS É O MÍNIMO QUE DEVEMOS EXIGIR .
Nota:
Já referi, em tempos, o excelente artigo de Paulo Pena, publicado no n. 947 da Revista Visão, edição de 28 de Abril de 2011, sobre a crise na Islândia.
Uma das causas da crise islandesa assentou na premissa de que quanto mais se desregulasse e privatizasse, melhor seria para a economia. O resultado viu-se.
Os islandeses encheram-se de determinação e foram para a frente lutando pelos seus direitos e pela democracia. Os bancos faliram, mas os banqueiros vão ser julgados. Denunciou-se a promiscuidade entre a alta finança e a política.
Os islandeses foram à procura dos culpados e procuraram soluções. Está a ser reescrita uma nova Constituição. A política foi tomada por não políticos, constituindo-se um novo partido - "Melhor Partido" - que obteve 34% dos votos para a Câmara de Reiquiavique.
O Supremo Tribunal islandês vai reunir-se para julgar o ex-primeiro-ministro, acusando-o de incompetência e má gestão.